quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Surreal


De onde você tira suas idéias? Aquelas em que eu sou mau e você é um doce. Vamos deixar bem claro que um doce, pra mim, é como você quer ser. Mas alguma coisa te impede. Se eu estou aqui, neste exato momento, é pura e simplesmente porque você quis assim. Não sou de extrapolar barreiras onde possamos correr infinitamente e permanecer num mesmo lugar. Só estou aqui porque tudo o que me pediu, foi. Desde quando eu entendo dos seus desejos, não é mesmo? Enrolo, faço e disfarço como quem não quer, na verdade nunca quis, não pude. Foi só um simples momento e de lá perdi as rédeas.

Se o meu cansaço pudesse ao menos ser impresso. Saberíamos que as tintas faltariam pra escrever o que era preciso. Foi um caso involuntário, o de outrora. Deste já não consigo achar explicação. Antes eu queria como o próprio ar, agora nem mais. Falta-me o fôlego pra imensidão de seus hiatos. Não é possível que eu te veja assim, tão amável. Você foi aquela que arrancou meu ar e eu tomei isso como uma coisa boa. Talvez meu coração hipocondríaco de hoje saiba melhor conviver com estes lapsos. E me sopre no ouvido o que eu preciso escutar.

Foi-se tão rápido que nem as cores ficaram. Lembro pouco do dia quente, porque nele nunca mais estive. Estranho qualquer fulgor que me passa por um segundo e lá estou de volta ao meu iglu de natal. Sabem-se lá quantas estações já passaram. Sei que estamos milhas e milhas de distância. E eu pensava que poderia contá-las, quanta ingenuidade. Tão logo seu rosto borrou nas lembranças, já não fazem mais memória como antigamente não é? Somos mais dois passos impulsivos, sem saber pra onde iríamos, só queríamos sair. Encontrei muitos cacos daquele que era. Mas só agora me completei.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Retomada


Agora tento imaginar um mundo paralelo, onde nos encontramos mais cedo e eu tive coragem de te dizer o que era preciso. Nem era muita coisa, eu mal lhe conhecia. Mas seu jeito de andar, falar, sorrir e até o seu jeito de respirar me estremeceu as pernas. Eu realmente não esperava por essa. Era como uma canção, que você nunca escutou, mas tem certeza de que adora. Faz-te esquecer qualquer outra coisa.
Como seria a maravilha de te ver acordar e lhe dar um beijo. De te fazer um café e aquecer o meu coração. De segurar sua mão e continuar sentindo seu cheiro. De entrar em quarentena e dizer pro mundo que voltamos daqui muitos dias. Ou de sair pelas ruas sem sentido algum. Porque qualquer coisa ao seu lado se torna gostoso e inesperado. E qualquer nuvem tem formato de algodão: doce!
É que era tão menos complicado quando eu gostava de você e guardava isso pra mim. Na mesma caixinha onde tenho todos os seus sorrisos e carinhos. Seus dias bons e os outros. Os que cuidou de mim e os que cuidei de ti. Quando só de te ver um pouco, meu dia saía do cinza. Agora que atrapalhei tudo, eu não sei o que fazer. Posso simplesmente tentar continuar vivendo e gostar de você em meus sonhos?

terça-feira, 29 de março de 2011

Lisbela e o Prisioneiro (Diálogo na prisão)

01:13:00
- Dona Lisbela. A senhora tá tão linda de noiva. Se bem que preferia lhe ver de viúva.
- Como é que você ainda pode brincar numa hora dessas.
- Eu tenho a goela dura. Eu engulo a vida com as pedras. Quase morri de desgosto quando fui traído pela senhora.
- Eu só fiz o meu pai lhe prender pra salvar sua vida. Douglas contou que mandou matar você.
- Não precisa falar mais nada. Isso é que é prova de amor.
-Amor não, piedade. Eu tive pena de lhe ver morto e dei um jeito de você ser preso. Agora o melhor mesmo era você ter fugido com aquela moça.
- O amor é um estranho passarinho. Canta sem ter pena, nasce sem ter ninho. Eu também ia fugir com ela, mas de pena. Sem amor. Mas viver sem a senhora é o mesmo que viver morto.
- Porque que você é assim? Porque que tem sempre que ficar vagando pelo mundo sem ficar com mulher nenhuma?
- Minha sina.
01:14:03
(...)
01:15:06
- E assim tem sido minha vida. Sempre me perdendo atrás do que é bonito.
- Vai terminar trancado em uma prisão.
- Hoje eu estou vendo o sol nascer quadrado, mas a vida é minha mãe. Mas eu vou dar um jeito de sair daqui e vai ser logo. A senhora vai ouvir falar, vai dar uma complicação doida.
- Mas eu não posso fugir do meu casamento. A gente nunca mais vai se encontrar.
- A senhora não é noiva no seu coração. Só é noiva na mão e na palavra.
- Pois é. Mas eu dei a minha palavra e a minha mão.
- Fique mais um pouco Dona Lisbela. A senhora é minha paz. Quando eu estou sozinho o tempo demora demais a passar.
- Eu não posso Leléu. Tá chegando a hora do casamento.
- Já? Como o tempo passa ligeiro quando eu to com a senhora.
- É por isso que eu tenho que me apressar.
- Fique mais um pouco. Eu juro que a senhora não vai perder seu tempo.
- Pra quê? Uma hora vai ter que acabar.
- Vai não. A gente vai viver os minutos de um jeito, que eu vou passar a vida inteira me lembrando. Esse beijo foi nosso casamento.
- Não Leléu. Esse beijo foi nossa despedida.
- Não senhora. Não sabe que todo filme de amor se acaba em beijo.
- Eu sei. Mas já acendeu a luz do cinema. E agora vai começar a minha vida.
01:17:25

Lisbela e o prisioneiro (2003)

segunda-feira, 21 de março de 2011

$#*! My Dad Says

Connie:
- Não se preocupe Ed, nós ficaremos fora do seu caminho. Sabemos que tem uma grande noite com a coitada da vizinha.
Ed:
- Não acho que isso acontecerá. Nós brigamos. Ela acha armas perigosas.
Connie:
- Bem, elas são perigosas.
Ed:
- Só se você não souber como usá-las. Todo homem tem um pênis, nem toda mulher tem um orgasmo!

quinta-feira, 17 de março de 2011

COM OS MEUS BOTÕES

O Tostão me perguntou meses atrás, aqui mesmo em Paris, se o futebol do Denilson lembrava o Canhoteiro (ponta-esquerda do São Paulo que só eu vi jogar, na década de 50). Vinda de quem vinha, aquela pergunta me paralisou. Fiquei postado na praça, sem raciocínio, olhando para o Tostão. Se bem que, quando topamos um craque de bola no meio da rua, vestido à paisana, andando como a gente anda, falando coma a gente fala, nós, amadores sempre nos atrapalhamos. Viramos idiotas. Certa vez fui apresentado a um antigo centromédio do Santos, o Formiga. Depois de um breve diálogo, o assunto esgotado, sem saber por que continuei a encará-lo. O silêncio se prolongava, incômodo, e ainda encasquetei de colocar a mão no ombro do Formiga. Com o polegar, comecei a pressionar de leve a sua clavícula, e me lembro que ele ficou um pouco vermelho. Então me dei conta de que, pela primeira vez na vida, conversava pessoalmente com um botão. Formiga tinha sido um dos meus melhores botões, apesar de meio oval, um botão de galalite, vermelho.

Na minha mesa, Tostão não chegou a ser botão. Eu já era bem crescido quando ele apareceu, e fica um pouco ridículo fazer botão de um jogador mais novo que você. Botões, para a garotada daquele tempo, eram venerados como ícones, beijados, polidos com flanela, concentrados em caixas de charuto e inegociáveis. Pois bem, vi o Tostão deslizar nos gramados e, sem querer desmerecê-lo, era mesmo um homem com braços e pernas. Nem por isso há de nascer um centroavante que se lhe compare, com nunca haverá ponta-esquerda semelhante ao Canhoteiro que só eu vi jogar. Desde já discordo de que, concordando comigo, sustenta que o futebol era muito mais bonito no passado. Ao contrário de nós mortais, que éramos todos mais bonitos no passado, os craques do passado são ainda melhores hoje. Penduraram as chuteiras, mas na permanente edição da nossa memória vão produzindo novos lances memoráveis. Posso vê-los sempre de uniforme, uniformes diferente uns dos outros, num vestiário com o teto cheio de chuteiras penduradas. Reúnem-se em torno do técnico, ouvem a preleção em silêncio, mas não prestam muita atenção. Dispensam alongamentos, entram em capo e já começam a jogar. Não dão entrevistas. Não fazem cera, não atrasam a bola, não cobram lateral, não ficam na barreira, faz cada qual o que lhe dá na telha. E no entanto exibem um belo conjunto, mantendo-se invictos há anos e anos, mesmo porque contra eles não há quem se atreva a jogar. Me vendo de boca aberta, naquela tarde gelada, o Tostão não fazia idéia dos gols que continua a marcar dentro da minha cabeça.

“Ele te lembra o Canhoteiro?”, perguntava Tostão, e de cinco em cinco minutos a pergunta me rebate no ouvido como um gongo, enquanto vejo o Brasil jogar no State de France, sem Denilson. Há o grande Rivaldo, seu estilo de ema, há o nosso Ronaldinho, de quem tudo que se diz não basta, e há um oco. Sim, a ausência de Denilson agora me lembra exatamente o Canhoteiro, cuja camisa Zagallo usurpou na Copa de 58, privando o planeta de ver o que só eu via. Estamos no segundo tempo, Brasil e Escócia um a um, e já me pergunto se barrando o Denilson, Zagallo não pretende barrar o Canhoteiro de novo, 40 anos depois. Maldade minha, claro, pois eis que o Denilson entra em campo, recebe a bola rente à lateral esquerda, passa zunindo por dois escoceses e toca para o meio, de calcanhar. A jogada foi bem em frente à minha cadeira, permitindo-me ver até o branco dos olhos do Denilson, e não direi o que se passou naquela instante com a fisionomia dele. Não direi de quem era a figura que vi num relance, vestindo a camisa 19, porque nem eu próprio acredito nessas coisas. Mas alguma coisa os escoceses também viram, e ali se assombraram, e se atarantaram, e perderam a pouca cor que têm, e bateram cabeças entre si e fizeram um gol contra.

É um garoto, o Denilson, e imagino o que será seu futebol daqui a mais ou menos 30 anos, quando estarei abarrotado de memórias. Seu drible na corrida, calculo que possa chega a algo como a velocidade do TGV Paris-Nantes, embora jamais à do Canhoteiro. Babando de antemão, me vejo a lembrar o Denílson adiantando a bola na medida certa, feito isca, para surripiá-la do bico do pé do beque. Verei o Denilson em nova arrancada, como quem corre num parque, e a bola que corre serelepe ao seu lado, quase latindo. Verei o Denilson desviando a bola sem tocá-la, talvez com um assobio – ele tem boca de assobiador. Verei o molejo dele, trançando as pernas diante do próximo adversário, e, de repente hei de ver o drible de corpo. O drible de corpo é quando o corpo tem presença de espírito.

Se eu fosse menino, faria do Denilson um senhor botão. De tampa de relógio, acho.

Chico Buarque, para os Jornais O Globo e O Estado de São Paulo - 14 de junho de 1998    

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

A garota dos meus sonhos


Por caminhos desonestos ele nunca se encontrara. Foram anos de renúncia aos sentimentos que ele não completamente entendia. Passou por esquinas e becos que assombrariam a alma dos mais castos. Não pediu ajuda uma única vez e viu perdidas incontáveis oportunidades. Até que, sonolento e ligeiramente embriagado, começou a pensar, quase como num transe, no peso de seus passos e nas conseqüentes marcas por onde passava. "Era assim que poderia decidir pra onde ir" - pensara repentinamente num surto de lucidez. O que veio depois dali foi uma desilusão! Encontrou-se com o diabo em inúmeras ocasiões e chegou até a pensar que poderia estender esta relação com um pacto por sua alma. Viu crimes sendo cometidos. Preconceitos e humilhações tão facilmente desferidos. O próximo não estava nem a uma milha de distância, e assim, não tinha mais próximos. Nem apego, nem pai, nem mãe. Não amava e, assim, não sentia mais nada. Já estava habituado neste comportamento blasé autodestrutivo empertigado até o fundo de seu estômago. Sua pele começava a pesar mais em seus poucos quilos e não duraria muito mais. Era somente a sombra do homem que uma vez tinha respirado. Talvez nunca homem, mas sim menino. Aconteceu tão rápido que sua mente não acompanhou de primeira. Sentiu o cheiro das flores do outro lado da avenida e esse cheiro para ele era sinal de velório. Não conseguia mais elevar o pé e andar por mais que tentasse. E queria. Estava grogue pelo cheiro como por um direto no queixo. Ela veio e a partir de sua visão nada mais fazia sentido. Estava numa outra dimensão e não sentia mais o peso, ou gravidade ou o que quer que seja que o puxava pra baixo. Foram poucos segundos e ela, com pressa, estava na sua frente. Pensou que seria atropelada e correndo simplesmente pulou na calçada e o abraçou. O mundo voltou aos seus olhos neste instante e ele pôde ainda a ouvir dizendo: "Obrigada". Ele não sabia como, nem porque, muito menos quando, mas estava com seus braços à volta dela, impedindo que ela caísse na rua, centímetros atrás de seus pés. Ele disse: "Quer parar de correr um pouco e tomar um café?". Ela respondeu: "Meu sonho!" Neste instante ele se tornou novamente no hipócrita que era anos e anos atrás, assim como a maioria das pessoas que você encontra no seu dia. Estas mesmas que dizem "corra atrás do seu sonho". Que merda é esta!? E o que você irá fazer quando alcançá-lo? Acordar??? Simplesmente viva com o que lhe foi dado, busque objetivos, e não sonhos. Alguma coisa que queira e que com razão possa fazer acontecer. Desejos, vontades, ambições, mas não dê ouvidos a este tipo de pessoa. A garota dos seus sonhos pode estar do outro lado do mundo, ou bem na sua frente!

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

De volta do inferno


O meu inferno é você! Não são mais os outros. Desde quando eu passei mais uma temporada em seu calor. Desfigurou-me a alma que agora não respira mais direito. Falta-lhe o suspiro de uma paixão desconcertante. Aquela que te eleva e você não liga de perder o chão. Qualquer outra passa a ser um mísero espirro de emoção. E não venha mais tão perto. Escolhas não são qualquer coisa que troques diário. Agora foi...

A jornada é sempre longa, árdua, espinhosa e não importa muito o físico nessa hora. Trabalha seus pecados e sangra. Isso só pode lhe fazer bem. Não está mais em condições de chorar por ajuda. E quem tentar só faz piorar tudo. Não é de ajuda que precisas. Precisa de cara. A sua cara. Com vergonha nela. E então seus pés nem sentirão o calor da brasa.

A caminho do céu, passa por todos os quais lhe importa. Rápido, deixa um beijo de vento em teu rosto. Não sentirás mais do que a brisa fria. E ainda estarei contigo. E não mais me importarei contigo. E sim, comigo. Porque destas caminhadas estou farto. Quero o meu passo duplicado. Por razão e sentimento. Ao qual não te vejo mais ao meu lado. Não sei mais porque tinha que ser assim. Mas que bom que já foi.